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quinta-feira, agosto 03, 2006

Direito à informação

Sinceramente, com todo o respeito que eu tenho pela Folha de São Paulo - até porque é o jornal que eu mais leio -, preciso dizer que é revoltante a maneira como as informações são repassadas nesse país.

Há duas semanas, esse, que é talvez o jornal mais prestigiado do país, divulgava a lista de 57 parlamentares investigados pela CPI dos Sanguessugas, que analisará o desvio de verbas públicas originalmente destinadas à compra de ambulâncias.

O que me revolta não é o fato de divulgarem o nome de parlamentares que ainda não foram condenados, mas a maneira como isso é feito: "Veja lista dos 57 parlamentares investigados pela CPI dos Sanguessugas". Penso que, tendo eles usado o verbo no imperativo, está mais do que explícito o intuito sensacionalista atribuído, mormente por estarmos próximos do período eleitoral. Esquecem-se que a Comissão Parlamentar de Inquérito é um instituto deveras criticado, muito utilizado para fins políticos e pouco nobres.

Entretanto, não é isso, enfim, que me motivou a escrever algo fora do que eu costumo publicar. Não. Eis que hoje, ao entrar no sítio da Folha de São Paulo, me deparo com a seguinte headline: "Suposto pedófilo é condenado em Santa Catarina". Se alguém, além de mim, tem o mínimo de senso crítico, entende bem a minha indignação. "Suposto porque não é teu filho", dirão.

De fato, a sentença que condenou o motorista de uma van escolar por abusar de seis garotas não é definitiva, uma vez que ainda cabem recursos, muito embora constem exames de conjução carnal que comprovam os crimes.

Não se trata aqui de achar que parlamentares corruptos são menos criminosos, mas é uma questão de ponderação de valores, de indignação com o trato dado às informações e, sobretudo, de assombro com as finalidades à que o jornalismo deste país se presta.

Vejamos o caso do programa "Linha Direta" da Rede Globo de Televisão, que será um eterno amargor na minha boca. Procede-se a um relato dos fatos, acompanhado de uma reconstituição dos crimes e, ao final, a depoimentos emocionados de familiares que manifestam seu desejo por justiça num "eu-espero-que-ele-pague-pelo-que-fez". Alguns desses criminosos, não nego que o sejam, sequer foram julgados, e mesmo assim têm seus rostos exibidos em rede nacional.

Bem, para os que estavam se perguntando porque eu leio a Folha de São Paulo todos os dias, embora critique tanto o jornalismo brasileiro, aí vai. Todos ouvimos falar dos ataques que o PCC fez não só a policiais como também a civis. A Rede Globo, inclusive, exibiu em seu programa "Fantástico" o relato de uma escrevente policial que escapou por um triz da morte. E, por acaso, falaram quantos suspeitos - agora sim, no sentido próprio da palavra - foram mortos pelos policiais no primeiro semestre de 2006 só no Estado de São Paulo? Pois eu os ajudo: 328. Como bem ilustra o título da notícia - e nesse ponto eu me recordo de Exupéry, que falava que a pessoas grandes adoram números - foram 84% mortes a mais do que nos seis meses anteriores.

Senhores, até aqui não foi nada. Agora vem o que mais me assusta. Neste mesmo período, o número de prisões foi 2% menor. O que podemos extrair destes dados, e de tudo que foi dito até aqui, se é que podemos acreditar seriedade dos dados?
1 - As informações que chegam até nós, através dos meios mais populares de comunicação, além de não serem confiáveis, estampam uma total inversão de valores.
2 - Os "marginalizados", ainda que informalmente, possuem suas próprias leis e passam a impô-las às "pessoas civilizadas" mesmo que através de violência.
3 - Os policiais, que deveriam garantir a segurança de todos, em vez de prender os suspeitos para que sejam devidamente julgados, se defendam e, se for o caso, sejam condenados, têm preferido simplesmente matar as pessoas. Mas só 328 por semestre, vezes 26 estados e 1 distrito federal. São só números.
4 - As pessoas na televisão querem que as outras "paguem pelo que fizeram" mesmo quando estas ainda não foram condenadas.


Espero estar errado, mas penso que temos muitos dos ingredientes que para algum maníaco suba ao poder e diga "Cidadãos brasileiros! (aplausos) Gostaria de dizer-vos... (aplausos)... que diante da situação em que nosso país se encontra... (aplausos e aclamações)... instalamos a partir de hoje, um regime totalitário... (aplausos, aclamações, holas e bundalelês)".

Tudo isso que passa na televisão, que lemos nos jornais, toda essa distorção de valores, descrença na nação: tudo serve para criemos sede por sangue, até o dia em que permitiremos que alguém suba ao poder e faça o que for preciso para solucionar o problema, nem que isto custe nossa liberdade, afinal, as grades já estão em nossa janelas.

Estejam informados!



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Nota mental: terminar de ler "As origens do Totalitarismo" de Hannah Arendt.